Havia muita
história a respeito da rua proibida. A tal rua do Bosque. Aliás, de bosque não
havia nada, era escura, sem flores, canteiros e árvores. Diziam que era a rua das
Ciganas. Há muito tempo, talvez um século atrás, elas foram tiradas das ruas
residenciais e comerciais, foram obrigadas a migrar para esta rua inabitada,
que mais parecia um corredor de cabanas iluminadas por candelabros. Muito tempo
depois, uma menina de rua, ou melhor, moradora de rua, mais precisamente do
centro desta cidade batizada de Aurora, foi vista no minimercado do Xixo. Ela
pagara uma maçã verde sem pagar. Este senhor, certo de que ela pegara também
dinheiro do caixa, que ficava na entrada do mercadinho, saiu a correr atrás
dela. Xixo correu até a cerca anterior à rua do Bosque. Então ele parou. Não
acreditava no que via. Provavelmente a menina não conhecia a história do local
para entrar sem medo nesta rua. Ninguém soube responder a esta questão e
ninguém se lembraria de seu pequeno rosto assustado se não fosse um fotógrafo
curioso que passava enquanto a menina e Xixo corriam. Ela hesitou por um
momento, olhando para trás, neste instante foi retratada com seus olhos da cor
da grama, os cabelos escuros despenteados pela corrida ao vento, os lábios
ressecados e o manto vermelho que a cobria em parte da cabeça. Os olhos
arregalaram-se com a luz do flash e sem saber o que fazer ela continuou a
correr já descalça, por entre a rua maldita.
Ela via
cabanas, via muitas mulheres cheias de jóias, longas saias e olhos grandes.
Pareciam-se todas umas com as outras. Não via homens, crianças ou idosos.
Caminhava lentamente, sem fôlego e cambaleando. Escurecia rapidamente. Parou e
olhou para a maçã já machucada. Sem hesitar, mordeu-a com força e mastigou
ferozmente. A fome era avassaladora. Não percebeu, portanto, os olhares
maliciosos em volta dela. O gosto passou a ficar diferente, certamente alguma
parte apodrecida. Levantou a cabeça e surpreendeu-se com a rapidez da
aproximação de tantas mulheres. A jovem esbelta que estava à sua frente pegou
de sua mão o caroço e fitou a mão pequenina abrindo-a totalmente. Decretou o
destino daquela alma em algumas frases e pouco a pouco a menina ouvia-as dentro
da mente. Fora hipnotizada, não tinha mais o controle de seu corpo e mente.
Como a maçã
ela se tornava eternamente verde e estragada. A única pessoa que a viu todas as
noites, até ser enterrado, foi o velho Xixo.