Fiquei bem à sua
frente. Ela gesticulava muito, mas eu mantive-a sob meus olhos. Eu tentava
falar e ela não me escutava, falava sem parar. Ao mesmo tempo em que
gesticulava, chorava, e isto me deixou desconfortável. Fiquei a pensar em meu
projeto, enquanto ela tagarelava eu fazia de conta que concordava com tudo.
Melhor não falar nessas horas. Uma pessoa passou por nós, difícil de
identificar rostos da silenciosa noite. Uma aliada. O homem foi-se andando sem
olhar para trás desapareceu. Enfim ela se cala balançando a cabeça
inconformada, talvez, por não obter respostas. Chegou a hora de gozar deste
momento. Acabou o tempo. Após cair duas lágrimas de seu rosto pálido e gelado,
atirei duas vezes à queima roupa. Abaixei-me e saí a rastejar.
A noite estava
gelada como sempre. Eu costumava passar sempre por uma rua de casas bonitas
antes de chegar à minha parada para pegar o ônibus. Sempre atento, avistei um
casal que discutia, era véspera do dia dos namorados. Procurei não olhar muito,
mas tenho boa audição e, infelizmente, sou fofoqueiro! Ouvido de fofoqueiro não
precisa se esforçar tanto. Antes de chegar até eles percebi que a garota
chorava, balançava as mãos como se estivesse se explicando de algo, fazia
movimentos de negação com a cabeça, pegava no celular e mostrava a ele. O homem
com ela era bem mais velho, nitidamente grisalho, alto e magro. Ela, uma jovem
morena que vestia jeans e blusa laranja. Foi o que pude ver. O homem não dizia
nada, não se mexia e não me olhou. Quando passei ouvi então ela dizer “você não
tem respeito por ninguém e mesmo assim estou tentando te fazer entender, já
disse tudo...” mais uns segundos passaram e ela completou com algo como “vou à
polícia”. Mas não sei, não tenho certeza
desta última frase. Em seguida antes de chegar ao meu destino, dei uma
olhadinha curiosa por entre um poste onde clareava parcialmente o rosto do
homem. Era parecido com um tio meu, os olhos pequenos e rasgados, o nariz
batatudo, barba por fazer. Eles estavam atrás de um carro. Ouvi dois tiros. Abaixei-me,
perplexo. No instante seguinte olhei novamente e como o homem sumira, corri até
ela. Estava perto ainda, mas nada do homem que a feriu. Não soube identificar
onde se originava os ferimentos. Chamei a polícia e ambulância. Quando a
polícia chegou, ela não respirava mais. A ambulância a levou direto ao IML. Não
sei de mais nada. Eu tenho boa memória, posso fazer Retrato Falado.
Por volta de
duas horas da manhã ele recebeu a convocação para receber a testemunha de um
crime. A moça se chamava Isabela, conforme seus documentos encontrados na
bolsa. As últimas ligações eram para a mãe, que também já estava lhe aguardando
na sala de interrogatório. Primeiro, falou com a testemunha, o rosto do
assassino já estava confeccionado e foi, posteriormente, mostrado à mãe. Ela
imediatamente reconheceu o homem. Seus olhos vidrados na imagem confessaram,
mas a boca negou. Suas suspeitas agora caíam sobre a mãe da garota. Na manhã
seguinte, procurou evidências no celular da moça. Entrou em e-mail, Skydrive, redes
sociais, imagens, vídeos e nada. Ao reler o depoimento do jovem que testemunhou
o detetive percebeu que poderia ter alguma palavra fora de lugar ou alterada.
As investigações seguiram. Ele foi à casa da falecida, em seu computador
parecia tudo normal, até entrar na lixeira. Havia um vídeo datado da semana
anterior ao assassinato. A gravação mostrava o próprio detetive fazendo uso de
cocaína juntamente com a irmã de Isabela e o padrasto, que faziam sexo no chão
do quarto da mãe. O caso estava encerrado para ele. Bastava achar o assassino e
apagar as provas.