domingo, 24 de fevereiro de 2013

SIMPLES ASSIM


Fiquei bem à sua frente. Ela gesticulava muito, mas eu mantive-a sob meus olhos. Eu tentava falar e ela não me escutava, falava sem parar. Ao mesmo tempo em que gesticulava, chorava, e isto me deixou desconfortável. Fiquei a pensar em meu projeto, enquanto ela tagarelava eu fazia de conta que concordava com tudo. Melhor não falar nessas horas. Uma pessoa passou por nós, difícil de identificar rostos da silenciosa noite. Uma aliada. O homem foi-se andando sem olhar para trás desapareceu. Enfim ela se cala balançando a cabeça inconformada, talvez, por não obter respostas. Chegou a hora de gozar deste momento. Acabou o tempo. Após cair duas lágrimas de seu rosto pálido e gelado, atirei duas vezes à queima roupa. Abaixei-me e saí a rastejar.


A noite estava gelada como sempre. Eu costumava passar sempre por uma rua de casas bonitas antes de chegar à minha parada para pegar o ônibus. Sempre atento, avistei um casal que discutia, era véspera do dia dos namorados. Procurei não olhar muito, mas tenho boa audição e, infelizmente, sou fofoqueiro! Ouvido de fofoqueiro não precisa se esforçar tanto. Antes de chegar até eles percebi que a garota chorava, balançava as mãos como se estivesse se explicando de algo, fazia movimentos de negação com a cabeça, pegava no celular e mostrava a ele. O homem com ela era bem mais velho, nitidamente grisalho, alto e magro. Ela, uma jovem morena que vestia jeans e blusa laranja. Foi o que pude ver. O homem não dizia nada, não se mexia e não me olhou. Quando passei ouvi então ela dizer “você não tem respeito por ninguém e mesmo assim estou tentando te fazer entender, já disse tudo...” mais uns segundos passaram e ela completou com algo como “vou à polícia”.  Mas não sei, não tenho certeza desta última frase. Em seguida antes de chegar ao meu destino, dei uma olhadinha curiosa por entre um poste onde clareava parcialmente o rosto do homem. Era parecido com um tio meu, os olhos pequenos e rasgados, o nariz batatudo, barba por fazer. Eles estavam atrás de um carro. Ouvi dois tiros. Abaixei-me, perplexo. No instante seguinte olhei novamente e como o homem sumira, corri até ela. Estava perto ainda, mas nada do homem que a feriu. Não soube identificar onde se originava os ferimentos. Chamei a polícia e ambulância. Quando a polícia chegou, ela não respirava mais. A ambulância a levou direto ao IML. Não sei de mais nada. Eu tenho boa memória, posso fazer Retrato Falado.

Por volta de duas horas da manhã ele recebeu a convocação para receber a testemunha de um crime. A moça se chamava Isabela, conforme seus documentos encontrados na bolsa. As últimas ligações eram para a mãe, que também já estava lhe aguardando na sala de interrogatório. Primeiro, falou com a testemunha, o rosto do assassino já estava confeccionado e foi, posteriormente, mostrado à mãe. Ela imediatamente reconheceu o homem. Seus olhos vidrados na imagem confessaram, mas a boca negou. Suas suspeitas agora caíam sobre a mãe da garota. Na manhã seguinte, procurou evidências no celular da moça. Entrou em e-mail, Skydrive, redes sociais, imagens, vídeos e nada. Ao reler o depoimento do jovem que testemunhou o detetive percebeu que poderia ter alguma palavra fora de lugar ou alterada. As investigações seguiram. Ele foi à casa da falecida, em seu computador parecia tudo normal, até entrar na lixeira. Havia um vídeo datado da semana anterior ao assassinato. A gravação mostrava o próprio detetive fazendo uso de cocaína juntamente com a irmã de Isabela e o padrasto, que faziam sexo no chão do quarto da mãe. O caso estava encerrado para ele. Bastava achar o assassino e apagar as provas.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Aventura

    Ao passar pelas areias de Copacabana avistamos um imenso balão, estava anoitecendo, veríamos o pôr do sol de pertinho. O vento parecia estar a favor. Onde desceríamos não era importante, seria a maior aventura de nossas vidas: voar junto dos pássaros, passar dos telhados dos grandes prédios e ir além dos morros. Quando meus pensamentos estavam querendo chegar no quesito “segurança”, ele me trouxe minha bebida, que não era a água de coco, a qual eu havia pedido. Durante a longa fila de espera bebemos muitas latinhas de cerveja, rimos, fizemos alongamentos e o tempo passou. Quando eu queria ir ao banheiro ele ficava na fila e vice-versa. Uma hora, duas, três. Não desistíamos, estava chegando perto e parecia que quanto mais perto, mais demorava o andamento. Já fazíamos planos de voar também de asa-delta. Se eu vomitasse não pegaria na cabeça de ninguém mesmo! Um bêbado, mais bêbado que agente, arrumou briga na fila porque achava que deveriam distribuir água para as pessoas enquanto esperavam. Mais adiante um pastor gritava num palco improvisado, sem perceber que Deus escutaria do mesmo jeito se ele falasse normalmente. Tudo estava ótimo, mesmo quando eu perguntava a ele se aquela casinha não balançaria demais e derrubaria agente ou se o fogo não incendiaria nossa cabeça. Ele pegou minha caixinha milagrosa em seu bolso, tomei meu remédio do pânico, sem perceber que o álcool tiraria seu efeito. Uma moça pisou no meu pé e eu já não sentia meus dedos, não sentia minhas bochechas nem medo.  A expectativa aumentava a sensação de liberdade dele e minha loucura. Enfim, restavam somente cinco pessoas. Ou eram mais de cinco? Bebemos tanto que acordamos de manhã com o rosto duro de queimaduras de sol. Pois é, a bebedeira ajudou a passar o tempo. Mas não vimos o balão voar.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

PRONTO PARA MATAR


     Ele recebeu o telefonema tarde, alguém pedindo sua ajuda para um trabalho árduo. Se não fosse um negócio consideravelmente bom, certo que não iria, mas há muito tempo queria fazê-lo pessoalmente. O momento era esse. A recompensa seria compensatória. Dirige-se a uma estante e pega abaixo dela uma caixa grande. Sim, tinha que sair logo, mas seria breve. Acha finalmente seu machado. Seria suficiente. De estômago vazio, pega as chaves e sai, está com suas botas pretas, colocadas propositadamente para não manchar de sangue, uma camisa marrom e na calça Jeans velha, seu facão. Ninguém no trânsito, ausência de buzinas. Seu olhar analítico já sabia de cor onde seria a execução, uma pupila vidrada e impaciente. Luzes ofuscavam nos luminosos por onde passava, mas não havia mais nada nem ninguém. Logo que avistou uma delegacia virou na esquina anterior rapidamente. O seu sangue frio o fazia acelerar, só de pensar que ela fugisse. Chegou a uma casa verde e branca, como eram muitas outras casas deste mesmo bairro, desta cidade vazia. A casa, porém, parecia ser o único lugar com gente acordada, tudo estava calmo. Teria que ser rápido para não ouvirem os gritos. Ele tinha a manha. Estacionou com perfeição fazendo apenas duas manobras. Abriu a porta, após alguns passos pela grama molhada e quando ouviu vozes parou. Olhou em volta, pegou o facão por precaução. Percebeu que havia alguns desconhecidos, o que talvez não fosse uma boa ideia. Entrou pela porta sem olhar para trás, no fundo do corredor passou por uma mesa com bebidas e não fez cerimônia, tomou um copo de cerveja, entrou no pátio e lá estava ela, atrás da cerca correndo, cambaleando e com seus olhos arregalados. Estava machucada em uma das pernas. Quem o solicitou o esperava em frente, um ar sério e cansado, cabelos brancos, vestindo um pijama amassado e usando pantufas:
- Meu filho, sei que não é uma boa hora, mas estou velho para essas coisas, pelo o que sei, tu ainda não jantou, então se tu quer comer, vai ter que dar um jeito nessa galinha. Ela só grita e corre o tempo todo! – e então obedecendo ao velho pai, o gaúcho olhou para a galinha, entrou na cerca e a golpeou de uma vez só. Missão cumprida.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

UMA PRESSA INCONTROLÁVEL



    Fui apresentado ao eletricista e fiquei aliviado, pois não precisaria fazer eu mesmo o trabalho. Momentos antes eu estava quase cometendo a burrice de mexer na rede, já que não aguentava mais a pressa em inaugurar meu novo atelier, com belos retratos de molduras douradas, feitos por mim. Quem me impediu de fazê-lo foi minha eficiente secretária, pois com eletricidade não se brinca, então acatei. Às vezes penso se meu lado homossexual é a causa dessa frescura, desse medo de eletricidade, do receio de arriscar, resolver os problemas dos imprevistos que se atravessam nos meus preciosos minutos. Bem, nada contra eletricistas, então me dirigi à sala principal, onde seriam feitos reparos simples de troca de duas tomadas. Com isto, cessaria o inconveniente das faíscas e aquele barulhinho chato indicando curto circuito. Entrei calmamente e bem quieto, sem que ele pudesse perceber fiquei a admirá-lo. Eu, magro e baixo, ele... Alto e forte. Fiquei a imaginar como seria aquele homem, gosto de morenos. Certamente ele também era gay. Mas pensando e imaginando, não pude controlar minha ereção. Poderia ter saído do mesmo jeito que entrei, esquecendo totalmente dos fios que aquelas mãos pesadas tocavam. “Só que não.” Por ali continuei e, ao virar para trás, o eletricista deparou-se comigo a analisá-lo. Ficamos a nos olhar. Ficamos a nos olhar por alguns ansiosos instantes, ele sem entender, desceu os olhos para minha bermuda. Ele percebeu. Espantado, voltou sua cabeça para o que fazia anteriormente, pegou em um fio e sem prestar a devida atenção cortou-o junto com outro, deixando uma falha na fita isolante. Levantou-se com o olhar baixo, dizendo:
– Está feito, vou ligar a luz e depois acertar com a secretária. – disse o eletricista, bufando e secando o suor, quase correndo até o quadro de luz.
     Após isto, nada mais. Apenas o cheiro de queimado misturado com álcool. Acordei no hospital certo de que precisava mudar. Não era a primeira vez que errava o alvo.