terça-feira, 4 de dezembro de 2012

TEXTO SENSORIAL OU SINESTÉSICO


Este é o grande desafio para quem aspira ser escritor e quer passar para os leitores as sensações da história. Um exemplo disso é “Desforra”, Conto de José Saramago – do livro “Objeto Quase”. Nele conta o momento vivido de um jovem, sem especificar seu nome nem o de outros personagens, que passa por um rio, descalço, vestindo uma camisa vermelha. A cor vermelha simboliza o gérmen da vida, o sangue rubro, enquanto o verde da natureza por onde passa o rapaz, simboliza a terra. Ele vem com as pernas cheias de lama, aparecem limos de onde pendiam fios verdes e lodo. Segundo o Dicionário de Símbolos, de Chevalier, J e Gheerbrant, a água estagnada, limo, lama e pântano significam a perversão, ausência de pureza, diferente da água líquida, que é fluída, pura, perfeita. O movimento das águas, círculos e bolhas que se formam, suor escorrendo pelo corpo e descendo pelos pelos do rapaz é o início da sua fertilidade.
Além de fazer referências ao calor (sol), som (dos metais) e tato (cigarra duríssima), o autor também nos situa no espaço, quando fala dos torrões dos alqueives e dos olivais cinzentos (as oliveiras são próprias de Portugal).
Se você prestar atenção a todos os detalhes perceberá que trata de um breve relato do Itinerário Mitológico do Herói (partida, iniciação e retorno) - quando ele fica parado na soleira da porta (umbral) após ver a castração do porco, retornando à casa logo depois - e de aspectos cíclicos do próprio porco, pois ele foi castrado e em seguida abocou seus próprios testículos, ou seja, eles retornaram em forma de comida. O rapaz, ao invés de entrar, resolve voltar, toma um púcaro (caneca de barro) de água antes, para lavar-se das máculas.
O conto começa mostrando os elementos da natureza desde a partida e ao chegar na iniciação ocorre a aproximação com a natureza e o descobrimento de si mesmo, os fatos passam a se repetir enquanto o rapaz retorna ao rio, ao silêncio, ao lugar onde a rã (também ligada à água, lua, renovação/volta ao ponto de partida) mergulhara e o rapaz então nadou para a outra margem onde estava a rapariga. Neste momento, inclusive, o rapaz se desnuda – não só de roupas, mas se descobre na passagem para a puberdade – ao interessar-se pela rapariga do outro lado do rio. Mas ele vai em direção a ela e ela recua para dentro da penumbra dos ramos.
A relação do título, DESFORRA, se dá com a fertilidade sendo adquirida pelo rapaz e ao mesmo tempo tirada do porco.
Adoro a literatura que nos faz pensar .

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